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Uma Presença Silenciosa

Uma Presença Silenciosa

Fernando Rosa Dias
Repouso contemplativo sobre um nervo distendido

 

Uma das primeiras marcas globais desta exposição é a solenidade das tensões., uma espécie de força elástica que distende os elementos que se oferecem à percepção em efeitos de atracção,como ímanes que ligam surdamente os elementos. Já se disse com acuidade que os centros das obras de Domingos Rego estão fora da imagem (Leonor Nazaré, «À velocidade de cada luz», 2010). De facto, as relações de peso perceptivo não funcionam apenas no interior de cada quadro como campo visual, para se moverem destas para outros campos visuais, outros quadros ou imagens, fazendo que os eixos dominantes, as escalas, as densidades de gradação lumínica das modelações ou os lugares de uns actuem sobre os outros. Daí existir não apenas uma obrigatória reflexão sobre o lugar de cada quadro em cada parede e da relação de cada parede na exposição geral, como algo que vai operar poeticamente num jogo de relações e tensões, mas também uma exploração de como tudo se passa a exercer já não em função de pontos de descanso e equilíbrio, mas numa sinfonia de ressonâncias de atracções e afastamentos em esforço e flexibilidade. Tais tensões são exploradas como quem estica um elástico (objecto presente na exposição) para encontrar uma força não de ruptura e fracturante, mas de oscilação, de apelo e relação. Como um nervo que se estica para sair de um estado de torpor e encontrar na sua distensão um momento de estabilidade de forças por atendido amortecimento. Como nas bailarinas de Degas, pintadas ou esculpidas, o equilíbrio está num preciso momento de suspensão da elasticidade de um corpo, numa pose que resulta de um movimento para atingir um equilíbrio fugaz e que se sustem nesse fino limiar em que se sabe que o movimento vai esquivar-senuma compensação. O efeito é o de uma tensão que encontra o seu incerto equilíbrio nos eixos e massas invisíveis que a percepção pressagia em tão necessário como proficiente contrapeso.

Cada quadro, enquanto campo visual de forças internas, é também uma força de relações expositivas relacionadas com outros quadros. As escalas e posições do plano de cada quadro, para si e para outros, são modos de medir e experimentar um esforço de consonâncias entre imagens de escalas diferentes, de morfologias divergentes (orgânicas ou geométricas, em exemplo), por vezes de cores e matérias diferentes. As dicotomias não se oferecem para oposições, mas para essa tensão e oscilação que parece querer medir o lugar funcional da imagem ou o seu peso numa actuação perceptiva. Daí estarmos perante uma falsa heterogenia: a pluralidade exposta é uma rede de atracções, um influir de pesos e contrapesos em busca de equilíbrios no seio de situações de coacção compositiva. Percebe-se deste modo a disposição sequencial de pequenos horizontes que se opõem à organicidadede um elemento vegetalista que domina um campo visual mais amplo. Ou a relação entre uma ampla escada de rectângulos oblíquos com uma sequência de mínimas estruturas circulares.São maneiras de explorar as dinâmicas de verticalidade e horizontalidade, de branco e preto, de regularidade e irregularidades, de convergência e divergência, de organicidade e ortogonalidade, de tensão e repouso, sempre limiares de uma oposição que dispõe uma alongada zona de interstícios entre si, um território que dispõe a produção de um inventário interno – e que é um território situado nesse entre onde se move a gradação de um sondado repouso volúvel.

A cor não actua para expandir vastas composições cromáticas, para ser antes um elemento participante e regulador das oscilações físicas que se transpõe ao olhar. Dentro do negro e do branco a cor surge não para acusar estas de serem neutras, mas de a própria cor ser apenas algo que as excede para actuar no interior do seu próprio jogo dicotómico (branco/preto). Alguns objectoslacónicos expostos não são propriamente esculturas – antes, diríamos, são falsas esculturas. Agregados à parede, eles funcionam como extensões que desafiam as imagens em pintura no processo relacional de equilíbrios.

Toda esta actuação atrai o observador para fora da segurança de cada campo visual, convoca-o a sentir a tensão com que o corpo perceptivo passa de imagem a imagem, de mancha a mancha, de eixo a eixo – uma percepção agida nesses momentos silenciosos de um intervalo contemplativo que parece repousar na flexibilidade de um nervo estirado.


Abril de 2012

folha de sala
 
 
 
 
 
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